domingo, 20 de novembro de 2022

A tormenta


O ano começou com ares de tristeza. Meu avô Joãozinho havia falecido em fevereiro, depois de dias internado em um hospital em São Francisco. Ele andava com olhar perdido, seus belos olhos azuis ficaram opacos e expressavam um desalento que não se conseguia saber qual era a razão. O coração não resistiu.

Em março iniciamos a sétima série, com mudanças importantes, passamos ao outro corredor da escola, na ala dos maiores e a turma agora era mesclada, com meninas e meninos. A sala era grande e nos acomodamos agrupados. Quase todos os meninos, a exceção do Fabrício, amontoaram-se no fundo da sala, na chamada cozinha. As meninas se localizaram nas primeiras classe de cada fila. Eu escolhi a classe logo atrás da do Fabrício, na esperança que ele me auxiliasse em matemática, além das ajudas que a Jussi costumava me dar. Eles eram bons nas contas, aliás eles gostavam das aulas de matemática e de resolver aquelas infindáveis equações. 

Lili se garantia no inglês decorando os textos do livro "New English " que o professor Eugênio adotou para as aulas. Também gostava de ouvir o professor Darci divagando na aula de história, falando do Império e da República. E claro, a aula de português era minha preferida, especialmente se precisasse fazer redação. As longas unhas da professora Conceição se destacavam cada vez que ela gesticulava enquanto explicava uma regra gramatical, enquanto eu tentava acompanhar o seu raciocínio. De vez em quando, lá ia o Vito para secretaria levar uma chamada do diretor. Ele tinha as respostas na ponta da língua e bom humor para burlar dos colegas e dos professores. Era outro bom na matemática.

Em meados de Outubro, já estávamos na expectativa de aprovar de ano, fazendo as contas para ver se as notas somadas alcançavam a média final para passar de ano. Mas aquele foi um Outubro diferente, fomos pegos por uma tormenta violenta. 

Minha mãe andava por toda casa trancando portas e janelas e, a cada tanto, revisava se estava tudo bem fechado. Dava um espiada pela janela do quarto e se desesperava só de pensar nos animais na fazenda e no pai. Nós pulávamos nas camas, ansiosos e assustados, estávamos apenas com a luz das velas. Tia Jane havia voltado da escola mais cedo, pois havia faltado luz em toda cidade. Nereu, um veterinário amigo dela, veio acompanhando. Eles jantaram e ficamos todos na expectativa da tormenta diminuir, assim que calmou o vento, veio muita chuva, então preparamos uma cama no sofá para o Nereu dormir. Ele percebeu o quanto estávamos nervosos e o convencemos de ficar. Na manhã seguinte, ele saiu cedo para ver os estragos da tormenta pela cidade.    

A força do vento foi devastadora, a cidade amanheceu com casas destelhadas e árvores caídas. No meio da praça encontraram um telhado inteiro de uma casa. As notícias que vinham da fazenda era de muito estrago. Muitos eucaliptos antigos e imensos se foram ao chão na avenida em frente à entrada da fazenda. A estrada foi obstruída, tiveram de cortar muitas árvores e arrastá-las para liberar a passagem de carros e ônibus.

Encontraram ovelhas mortas embaixo dos troncos. Os homens saíram recorrendo animais na inundação da várzea, as partes baixas do campo eram cheias de água. Depois que parou o vento, a chuva veio volumosa, havia enchente em várias partes do campo. 

A tormenta trouxe a enchente de Santa Rosa, vento norte quente, muito calor e temporais. Levaram dias para limpar a cidade. Na fazenda morreram muitos bichos, galhos e troncos de eucaliptos foram sendo amontoados ao longo da avenida. Aquelas árvores imensas não resistiram à fúria do tempo. Logo, vieram dias calmos, dias de bonança, dias de recomeçar.    

Carapé

O senso de localização de quem vive em uma cidade pequena segue indicações personalizadas, as zonas urbanas não são identificadas pelos pont...