Para sair da cidade e entrar nas larguezas do município, seguem-se outras indicações, pois as distâncias são curtas entre o que é cidade e o que já é campo, só perceptíveis pela mudança na paisagem. A periferia tem jeito rural, há vastos terrenos baldios entre as casas, que vão se distanciando umas das outras e as moradas são, na verdade, nada mais do que pequenas chácaras. Era como eu sentia e via o mapa da minha cidade.
Na cidade da Lili, todo mundo sabia qual era a direção que um vicentense tomava quando ia para as bandas do arroio do Cuchá, lugar preferido dos guris para um bom banho no verão. Para se chegar até lá, havia dois caminhos: uma caminhada seguindo pela rua lateral da escola, passando pela famosa "zona", local da conhecida casa de prostituição da cidade, por ali, ia-se cortando os terrenos até avistar o arroio. O outro acesso, era pela rua do hospital, passado pela curva da rua, seguindo bem além da casa do tio Niquinho, carpinteiro irmão do meu avô. Por este trajeto, dava-se uma boa puxada de pernas, sobretudo, vindo do centro. Valia à pena a longa caminhada para era alcançar o paraíso daquele frescor que só as águas do Cuchá proporcionavam. Lili, do jardim da casa da vó Xiruca, suspirava ansiosamente pelo dia em que seria liberada para essa caminhada, enquanto avistava um grupo de meninos descendo a rua, mas ela estava proibida de fazer tal aventura, havia muitos mistérios inexplicáveis sobre o arroio do Cuchá. Para aqueles lados, girando à esquerda, havia uma escola Brizoleta, ao lado da propriedade de uma família Lutz. Também para aquelas bandas se chegava à localidade da Timbaúva.
Caso a gente fosse para as bandas da cooperativa, ou se mais perto, se dizia "depois da curva do cemitério", "na esquina do bolicho do Nelson Lima"; a cada tanto, tinha-se novas referências de locais, podia ser rumo ao Agrícola ou à fazenda do Sobrado. Mais adiante por estradas arenosas encontrava-se o rio Umbú. Para o mesmo lado, tomando à direita seguia-se para o Loreto, o conhecido, singular e majestoso cerro símbolo do município. Se o caminho escolhido fosse para as bandas do Grenal, o famoso salão de baile, se estava nas proximidades da igreja Luterana e da Escola Coqueiros, já quase chegando na estrada que se saia para Santa Maria. Em linha reta seguia-se pela estradinha de chão batido até a Vila Clara, há poucos metros havia uma curva para esquerda, por onde se alcançava o distrito do Cavajuretã.
Se girasse mais ao norte, se ia rumo a Jaguari, passando lá pela vó Cinda. Meu pai ia e vinha de charrete da nossa morada, trilhando a rota do arroio do Salso, contornando pela lateral da avenida de eucaliptos que ornamentava e dava sombra para a Cancha, onde aconteciam as carreiras de cavalos, diversão dominical. Passando por ali, se cruzava pela Vila Carapé, primeira vila organizada do município.
A vila Carapé foi a primeira que conheci. Quando minha mãe visitava a madrinha Mimosa, da esquina eu podia espiar as casas distribuídas lado a lado, todas com o mesmo desenho arquitetônico. Eram casas populares, coloridas, a cor diferente dava individualidade a cada uma. Entre elas havia uma escola, no mesmo modelo da escolinha lá para os lados da minha avó Xiruca. Em cada região, na saída do perímetro urbano, em seguida se avistada uma Brizoleta, assim eram chamadas as escolas rurais, pois foram construídas por meio de um projeto de acesso à educação na época em que o Brizola foi governador.
O nome Carapé homenageava o cacique e depois capitão mor Carapé, índio que auxiliou na organização da estância São Vicente Ferrer, que fornecia gado e cavalos para as demais estâncias jesuíticas das Missões. A primeira ocupação foi de um general paraguaio, assessorado por Carapé. Dizem que Carapé retornou depois do fim das Reduções e colaborou com o desenvolvimento da primeira aldeia. No local onde se ergueu a Vila Carapé, ao escavarem o terreno para a construção das casas, dizem que encontraram artefatos dos indígenas, os primeiros moradores do município.
Lili apreciava o nome Carapé, parecia sonoro e único, talvez porque ao passar pelos cinamomos em frente à prefeitura, na rua Carapé, pensava que só existíamos como município porque um certo índio capitão organizou a aldeia, que virou vila e que depois virou município. Carapé significa uma pequena ave, que por estas terras se agigantou.