sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Os bailes da vida de uma adolescente

Lili iniciava um ano cabalístico, os treze anos tinham chegado com mudanças no corpo e muita inquietude sobre si mesma e o mundo. O mau humor aparecia do nada, vivia estados de rebeldia de quem já sentia não se encaixar nos sonhos da maioria das meninas. Tinha o desejo pela escrita e a insatisfação típica da adolescência. 

Eu havia crescido muito, naquele momento inclusive aparentava ser mais alta que as outras colegas, como se de repente eu fosse uma mulher jovem. Meus seios ficaram grandes, toda roupa que eu vestia a percepção era de não me caia bem. Finalmente, minha mãe deixou de interferir no corte do meu cabelo, pude deixá-los crescer. A testa reluzia de oleosidade, coberta de espinhas e cravos, o que me impedia de usar franja porque o cabelo oleoso fazia com que ela grudasse na testa. Em vão, eu tentava controlar a gordura da pele com rodelas de pepino e lavava o cabelo com todo tipo de receita caseira sugerida nas revistas Carinho ou Capricho. 

Todo o descompasso da vida de adolescente me produzia uma autoimagem bem distorcida, a de que eu era uma guria feia e desinteressante. Mas, em fevereiro daquele ano, eu tinha feito algo novo e diferente, foi minha estreia nos bailes. Fiz meu primeiro carnaval no Clube Caixeiral, em Santa Maria. Cuidada e vigiada pelos meus tios, acompanhei minhas primas e amigas nos dias de carnaval. Quando subi as escadas do Caixeiral fiquei fascinada com as colunas até o teto, moldadas com arabescos clássicos, contornando as escadas que davam acesso àquele enorme salão, ventilado pelas inúmeras janelas altas do lado esquerdo e direito. Eu então elegi o Caixeiral o lugar mais bonito que até então eu conhecia  

Descobri a diversão de pular, de fazer trenzinho, de circular pelo salão, de subir no palco onde estava a banda e bailar entusiasmada. Uma Lili divertida surgia e se deixava levar pela festa daqueles dias de férias na casa da tia Betty e do tio Cláudio. Naquele carnaval encontrei meu primeiro par de baile, o Chiquinho, com quem pulei todo carnaval e dividia todas as noites um prato de batata frita e refrigerante. O Clube Caixeiral e Santa Maria tinham entrado de maneira significativa na minha vida.

Aquele carnaval me incentivou a participar de festas. Quando meu pai autorizava, eu ficava fim de semana na cidade, na casa da minha vó Xiruca ou na casa da tia Tânea, para poder ir  aos saraus no Clube Vicentino nas tardes de domingo. Eu sabia das histórias dos carnavais no Clube Vicentino durante a juventude da minha mãe. Ela contava detalhes das fantasias, de como a vó Cinda gostava de colaborar na feitura das fantasias e de vê-las fantasiadas, ela e minhas tias. 

Naquela época o carnaval da minha cidade andava decaído, os foliões haviam esmorecido, pairava no ar falta de entusiasmo. Muita gente preferia o carnaval de Jaguari no balneário. O Clube Vicentino era nosso refúgio para jogar ping pong, fazer um lanche na copa, sentar no pátio interno para jogar conversa fora com os amigos. Da área dos fundos ouvia-se os gritos dos homens que jogavam bocha enquanto bebiam cerveja. Tardes de sábado e domingo eram dias de encontro marcado.

Sem sarau, sem baile, muita gente rumava para o Clube União, um quadra abaixo do Clube Vicentino, Ambos ocupavam esquinas importantes, se destacavam: um pintado de branco e outro de verde. Um era dos brancos e o outro, como todos chamavam "dos morenos".  Em casa eu ouvia; "mas no clube dos morenos?" Para Lili nada mudava, as boates no Clube União faziam parte do roteiro, sem restrições.   

A grande festa do Clube Vicentino sempre foi o baile dos Kerbs. Durante três dias bailávamos ao som das bandinhas alemãs. Muita cerveja distribuída no meio do salão, como multa aos que eram escolhidos para dançar com o rei e a rainha. Lili se envolvia com os preparos, dias de planejamento com as amigas sobre as roupas típicas que desenhávamos, a prova nas costureiras, os encontros na casa de alguém antes do baile e a entrada coletiva e triunfal no salão do clube. Na madrugada, uma volta na praça, uma lavada na cabeça na torneira atrás do banco em frente ao coreto, para eliminar o cheiro de suor misturado com o de cerveja e muitas risadas. A adolescência era assim, meio ranço, meio revolta e muita amizade e festa. A vida na adolescência era como a espera por um baile: expectativa constante

Um comentário:

  1. Que mundo! Penso que essa divisão rígida entre brancos e negros - que foi tão comum em nossa sociedade sul-rio-grandense - está superada, não é mesmo?

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