quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Sopa de pera


aroma de cravo e canela invadia os cômodos da casa. Logo que o caldo levantava a fervura na panela, exalava então o cheiro inigualável da sopa de pera. Em meados de dezembro Lili se reunia à mãe e aos irmãos para colherem as primeiras peras maduras, colhidas nas pereiras que se enfileiravam no arvoredo entre a linha das laranjeiras e dos pessegueiros. Na linha das pereiras, também havia dois pés de cáqui, com frutas de polpa doce e alaranjada. As pereiras cruzavam sua linha de pés até altura do galinheiro, ali se localizavam quatro pés de peras duras, que amadureciam no final do verão. Os demais pés eram de peras d'água, macias e suculentas,  e era com elas que se fazia o caldo com pedaços da fruta e especiarias, um caldo doce e perfumado que também chamávamos de sopa. Pouco antes da temporada das peras maduras, fazia-se a sopa com os primeiros pêssegos que amadureciam, no mesmo processo, fatias da fruta cortadas em forma de lascas, cozidas na água com açúcar, cravo e canela. A sopa de pera era prenúncio do verão com seus banhos de açude, tardes de mormaço passadas debaixo das sombras dos cinamomos comendo melancia e voltas a cavalo no final da tarde pelas redondezas da casa. 

Quando dava no jeito e meu pai pacientemente nos ajudava encilhar o cavalo, podíamos dar umas voltas. Lili se enchia de alegria porque com as primas passando férias na fazenda, podia andar a cavalo, e isso seria ainda mais divertido, pois as meninas quase sempre andavam na garupa umas das outras. De longe se ouviam os gritos de medo e as gargalhadas das gurias comandando o pitiço ou a égua Ruana, principalmente, quando arriscávamos uma galopada pelo vasto gramado em frente à casa da fazenda. 

No verão, antes da chegada das primas, os finais de tarde eram dias de Lili  ficar observando as ovelhas saindo apressadas e encabuladas do cercado onde eram capturadas para tosquia, naquela aparência de que pareciam se sentir despidas. Eu sentia uma enorme compaixão daqueles constrangimentos, demonstrado pela cabeça baixa das ovelhas cada vez que se livravam das mãos do tosquiador. Era final do mês de novembro, as peras estavam começando a amadurecer, no ponto para iniciar a temporada das sopas de pera da minha mãe.

Outras tardes, aguardávamos a chuva, olhando como tempo se armava para os lados dos cerros de Jaguari. Calculávamos a aproximação da pancada de chuva, sabíamos por experiência que, ao chegar na curva da antiga estrada, na parte mais baixa da ladeira, era hora de corrermos e garantirmos lugar debaixo das calhas da casa para um farto banho de chuva. As águas que desciam pelas calhas eram cachoeiras imaginárias, a brincadeira virava  um jogo de empurra na disputa para caber mais de um debaixo daquela água que jorrava torrencialmente e com força total. 

À noite, depois de um bom banho e de uma saborosa janta com direito à sopa de milho verde da vó Cinda, a sopa de pera adoçava e confortava mais um dia de verão bem vivido.

   

2 comentários:

  1. Lá em casa acontecia isso também!!!! O único problema é que nós, meninas, é que subíamos nas árvores e tínhamos que descascar um tacho inteiro de peras... ai, ai, ai... Mas valia a pena! No final, saboreávamos os doces com muita alegria! ahahaha!!!

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  2. Muito bom,aqui fazemos de goiaba tbm,ah ,e as cascas p geleia

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