sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

Quando a escola chegou...

A escola entrou no mundo de Lili como um desejo intenso e constante desde que  a Vó Cinda me iniciou na aventura da escrita, durante aquelas tardes de aprendizado na mesa da sala de estar. Enquanto a brisa do final da tarde entrava pela janela da frente, ela me incentivava a escrever as letras, usando um caderno velho e um rolo de linha de crochê, chamada Cléia. Apontando o rótulo, ela me fazia associar cada letra da palavra Cléia aos nomes das pessoas da família, então eu agarrava firme o lápis e ia preenchendo meu mundo de palavras escritas. Cada tarde de crochê dela se tornava em uma tarde de alfabetização para mim. 

Minha avó trabalhava muito para enviar os filhos ao colégio. Na fazenda a ida para escola era o destino certo dos filhos. Primeiro para o colégio das irmãs em Jaguari, depois para as primeiras escolas municipais de São Vicente que, nada mais eram que salas improvisadas, às vezes junto da casa das professoras, sendo que elas foram a origem da implementação do sistema educacional do município. Minhas tias e minha mãe cursaram um ano ou dois do ensino primário nessas escolas, depois de passar pelo internato no Colégio de Jaguari. Houve um tempo que minha bisavó Lídia mudou-se para uma casa na cidade para acompanhar as netas mais velhas que iniciavam sua vida escolar na escola do município, já nos anos quarenta do século XX.

As idas e vindas às escolas dependiam muito de conseguir alojar os filhos na casa dos parentes. Um dia meu avô Alberto decidiu ceder um espaço na fazenda para montar uma escola rural. Ele tinha uma sobrinha que havia feito um curso normal que a habilitava para ser professora e trouxe-a para fazenda. A sala da escola era contígua à casa dos arreios, o que possibilitada a entrada na sala de aula por dentro das áreas da casa, pois eram todas interligadas. 

A sala da escola era pavimentada com piso de tijolos, última peça no sentido horizontal da grande construção que formava o conglomerado frontal da fazenda. Na parte da frente, uma porta que dava para um terreno cheio de cinamomos, com suas sombras amplas e frondosas;  outra porta na lateral, com acesso interno, e mais outra nos fundos, voltada para o pátio dos cavalos, também duas janelas na lateral, por onde entrava o vento norte, vindo dos lados da ladeira. Nesta escola minha mãe e minha tia Nira eram auxiliares voluntárias da professora Amélia, pois era uma turma multi-seriada, cada aluno em um ano escolar. A escola foi muito importante para as famílias da região, os primos que vinham das redondezas ou como fizeram meus avós paternos que enviaram meu pai, o tio Nito e a tia Carolina para estudarem na escola da fazenda. Eram os filhos mais velhos da Vó Xiruca e e do Vô João, iam os três à cavalo, cedo da manhã já cruzavam o arroio da Divisa para chegar à escola a tempo, na hora do início das aulas. No final do ano, vinha um representante do município aplicar provas para reconhecer os estudos e emitir pareceres sobre o aprendizado dos alunos. Em datas como a da independência do Brasil, as crianças participavam do desfile na cidade. Preparavam-se, ensaiando o desfile sob a sombra dos cinamomos, acompanhadas pelo primo Olavo, que comandava a marcha dos pequenos, batendo em um tambor improvisado feito de uma lata velha. No dia do desfile de sete de Setembro, de madrugada vinha um caminhão buscá-los para participar da celebração em volta da praça central. Essa escola, dizem, foi batizada com o nome do meu trisavô, Simão José da Rosa, provavelmente primeiro morador daquelas terras, localizadas na Divisa e fundador da fazenda.

Tempos depois, uma outra sala de aula começou a funcionar do outro lado do arroio da Divisa, já nas imediações do arroio do Salso. Ali também se instalou uma sala de aula multi-seriada, em uma peça da casa professora Mariquinhas, então, meus tios e meu pai passaram a frequentá-la, porque a nova sala de aula ficava poucos metros da chácara do vô Joãozinho. Mais tarde, foi construída uma escola rural onde o restante da família do meu pai iniciou a vida escolar. Ali minhas tias entraram na escola com menos idade e puderam seguir seus estudos até quarto ano. Uma delas foi rainha da escola, arrecadou muitos votos na vizinhança, pois era uma bela menina de cabelos castanhos e olhos azuis. A escola lá naquele fundo de campo, lindeira com a propriedade do seu Carlito Gabriel, recebia crianças das famílias que viviam no entorno da estrada do Salso, muitas destas crianças eram meus parentes, descendentes dos antigos imigrantes alemães e austríacos que se instalaram naquelas terras, para lado oeste e norte do município.

A escola era uma possibilidade das crianças se educarem e terem um futuro diferente, sobretudo para esses que a frequentaram muito antes de mim. A pequena Lili, naquelas tardes de escrita das letras, só estava despertando fortemente seu desejo pela escola.



2 comentários:

  1. Lindo texto, Eliana! As reminiscências da Lili fazem-me lembrar muitas outras de nossa infância tão distante, mas tão alentadoras!!!!

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  2. Nossas escolinhas , quanto tempo,ficou a saudade, éramos uma família

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